NOVIDADES

19/10/21

Falsificação de documentos e meios de deteção (2)


Escrita de assassino em série

O falsificador coloca uma folha transparente sobre o documento e decalca-o, depois, servindo-se da transparência, constrói outro igual. Pode aproveitar o vidro duma janela ou o tampo transparente duma mesa para elaborar a cópia falsificada. Pode fazer uma fotocópia normal do documento original decalcando-a com uma ponta seca ou com lápis e, depois, passando por cima a caneta ou esferográfica igual à do original. Nestes casos, é fácil afirmar que há falsificação, mas torna-se difícil identificar o falsificador.

A falsificação por sobreposição (imitação servil) ou por decalque deixa indícios nas retomas, nas ligações, na pressão (menor diferença entre pleno e perfis), nas tremuras, no excesso de identidade. O falsificador tenta não fazer a sua própria letra, mas imitar a letra de outrem. O traçado é lento, frouxo, hesitante, a pressão entre perfis e plenos aparece pouco diferenciada, com pequenos e múltiplos tremores, com falta de dinamismo e de tensão, com interrupções, com retoques, com algumas paragens da caneta, com excesso de semelhanças na dimensão e formas iguais às da escrita autenticada. Uma fotocópia em papel de acetato do documento contestado e a sua sobreposição sobre o documento autêntico ajudará a detetar as igualdades formais, pois, o paralelismo ou sobreposição são a prova da falsificação. O perito também pode servir-se do negatoscópio (vidro da janela ou mesa de vidro com lâmpada por baixo).

O perito encontrará maiores dificuldades, se a escrita autenticada for lenta e com predomínio da forma. Se a autenticada for tremida (o perito deve saber distinguir as tremuras das sacudidelas angulosas de quem sofre de alguma patologia nervosa das sacudidelas intencionais do falsificador), se a cópia falsificada se basear em outro documento autenticado do autor imitado.

Por imitação reiterada

A falsificação por memorização acontece após intenso treino e familiarização com o modelo a imitar. O falsificador consegue escrever com uma velocidade semelhante à da sua escrita autêntica. Neste caso, o perito deve procurar os detalhes do próprio estilo (gestos específicos) do falsificador que constituem uma espécie de tiques gráficos. Ao confrontar o documento falsificado com os autênticos, o grafólogo constatará a existência de determinados microgestos originados por impulsos psicomotores que constituem uma parte instintiva da personalidade e dos quais não se pode prescindir.

Estas pequenas marcas costumam ser tanto mais valorizadas na perícia quanto mais seja a sua constância, a sua pouca visibilidade e a dificuldade de imitação.

De entre os sinais mais difíceis de imitar constam a própria natureza do traçado com o seu jogo de plenos e perfis (dependentes da conjugação da pressão com a velocidade) e a sucessão de movimentos gráficos (proporção, elasticidade, dinâmica).

O examinador da escrita não se limitará a simples comparações estáticas, mas saberá captar as caraterísticas dominantes e a dinâmica das tendências psíquicas do sujeito escrevente.

Por autofalsificação

A autofalsificação consiste na imitação da própria escrita de modo que pareça imitada ou decalcada por outros (fenómeno raro e utilizado mais na assinatura). O autofalsificador nega a assinatura que ele próprio fez, diferente da verdadeira, com a clara intenção de enganar e de negar o conteúdo que assinou.

A análise da autofalsificação pode levar o perito ao engano, porque tanto na assinatura verdadeira como na autofalsificada há gestos dinâmicos e não apenas variações de forma e de tamanho.

Por alteração

Alteração de qualquer tipo de documento ou assinatura por apagamento (raspando, rasurando, recortando, lavando,) ou acrescentamento (reescrevendo, corrigindo, aplicando truques fotográficos, intercalando letras, palavras ou linhas).

Para detetar as raspagens (com safa de borracha ou outros instrumentos) utiliza-se a luz rasante ou micrómetro a fim de observar e medir as fibras do papel ou da zona raspada. No caso de acrescentos, interpolação ou alteração (letras, datas ou valores monetários) pode usar-se o microscópio ou fotografia ampliada para observar as diferenças cromáticas da tinta. Também são utilizados produtos químicos, porém, neste caso, é preciso ter cuidado para não danificar o suporte e o conteúdo escrito. Às vezes, basta a presença duma data anacrónica para detetar a falsificação. As rasuras com esferográfica, caneta, marcador ou lápis podem ser detetadas com fotografias ou com telecâmara equipada com infravermelhos. 

Há casos em que a pessoa lesada reconhece a sua assinatura ou rubrica, mas nega o conteúdo ou dados do documento (declaração, cheque ou letra) que terão sido introduzidos posteriormente pelo falsificador em espaços deixados em parte ou totalmente em branco. Neste caso, se o texto for mecanográfico, a falsificação poderá ser detetada pelos exames de documentoscopia e de sociolinguística.

É conveniente que as várias fases do exame de escrita sejam comprovadas através de micro ou macrofotografias ou digitalizações.

Por anonimografia 

Trata-se de pessoa incerta que escreve cartas ou panfletos sem os assinar, nem se identificar, muitas vezes, com a finalidade de denunciar ou censurar.

O anonimógrafo (pessoa que escreve cartas anónimas) pode simular menor cultura, empregando termos mais vulgares; pode dar erros ortográficos, intencionalmente; pode usar uma linguagem artificial. Por isso, o perito tem que estar atento às expressões que, por desatenção ou inconscientemente, escapem ao autor do manuscrito, como termos cultos, palavras difíceis mal acentuadas, ou artificialidade forçada.

As alterações mais comuns acontecem na forma: letras tipográficas maiúsculas, escrita infantil ou completamente diferente, alterações da dimensão.

Existem  alguns aspetos que escapam ao falsificador, tais como:

o espaço entre letras, palavras, linhas e estrutura da página,

o movimento que se torna mais lento, falta de fluidez, com os traços finais mais breves e controlados, pontuação precisa,

a artificialidade e rigidez controlada,

as ligações entre letras e continuidade,

o traçado (nítido ou pastoso),

a pressão (leve ou firme), relevo e pressão invertida,

a direção da linha,

o ritmo.

Os gestos-tipo coincidentes (ângulos, bucles, arpões, ligações, abertura dos ovais, acerados) merecem uma atenção redobrada.

Não é fácil descobrir os autores anónimos, especialmente se não houver suspeitos ou se a população for numerosa. O exame da escrita  pode ser complementado com a análise do próprio conteúdo, recorrendo à linguística e sociolinguística.  

Mão guiada, forçada ou inerte

Locard refere-se a três tipos de mão guiada: mão guiada propriamente dita, mão forçada ou constringida e mão inerte. A assessoria através da mão guiada ou assistida não é um facto negativo. Pode deixar algumas marcas, tais como, tremuras, angulosidades, sobreposições, golpes, palavras ascendentes, sinais de lentidão. A mão guiada de uma pessoa com Parkinson pode constituir uma assessoria razoável.

A mão forçada pressupõe uma luta desigual entre as duas mãos, coartando a vontade do escrevente e resultando numa escrita despedaçada, dilacerada, ilegível, com grinaldas, golpes, paragens e soldaduras.

A mão inerte pode ser a de um agonizante, paralítico ou analfabeto, resultando um grafismo idêntico e submetido ao da mão ativa.

Afonso Henrique Maça Sousa

Perito da Escrita Manual



Sem comentários: