03/01/21

Falsificação de documentos ao longo da História

1.   

A falsificação da escrita é tão antiga como a própria escrita. Na Suméria, cerca do ano 4000 a.C., apareceram os primeiros casos de falsificação de documentos, mas as referências mais antigas à alteração de certos hieróglifos egípcios foram fornecidas por Champollion.

Durante o império romano, a Lex Cornelia de falsis (91 a.C.) referia as normas do testamento e da moeda e as penas previstas para as suas falsificações. Cícero refere-se a falsificadores de testamentos. No tempo dos imperadores Constantino, Marco Aurélio e Justiniano fez-se alusão explícita à comparação das escritas para descobrir o falso ou verdadeiro autor. O Édito de Teodorico (entre 500 e 526 d.C.) previa a pena de morte para vários tipos de falsificação de documentos.

Suetónio, historiador romano, considerava Tito Flávio (imperador entre 79 e 81) o mais astuto falsificador de sempre.

Camillo Baldi (1547-1634), italiano, médico e professor da Universidade de Bolonha, escreveu, em 1622, o livro: Tratatto come da una lettera missiva si connoscano la natura e qualità dello escrittore, reconhecendo que a forma com cada pessoa escreve distingue-a das demais.

Johann Kaspar Lavater (1741-1801), psicólogo, filósofo e poeta suíço, fundador da fisiognonomia (estudo da personalidade através dos traços fisionómicos) reconheceu que, através da escrita, se podem compreender o temperamento e o carácter. Estabeleceu o perfil tipo de criminoso a partir da fisionomia.

No Renascimento, aparecem os modelos caligráficos e a escrita assume um cunho mais pessoal, o que torna mais eficiente a perícia gráfica realizada por espertos ou pelo próprio juiz que se baseiam em aspetos materiais (tinta, papel, instrumento) e em traços distintivos (forma, disposição, ligações). Os espertos podiam ser os professores de caligrafia, os escrivães públicos, os advogados, os copistas e os notários.

Jacques Raveneau publicou Traité des inscriptions en faux et reconnaissances d`écritures et signatures par comparison et autrement(1665), que acabou por ser proibido. Trata-se dum tratado completo, com exemplos práticos de técnicas de falsificação. Para Raveneau, a genialidade do falsário escaparia sempre à perspicácia do perito. Ironia do destino, o próprio Raveneau foi condenado por ter sido descoberta a sua falsificação dum documento. O rei Luís XV criou uma Academia Real para preparar os mestres escrivães, com o objetivo de verificação das escritas e para chamar a atenção dos cidadãos para o gosto pela escrita.

Jean Mabillon, em 1681, publica  De re diplomática, onde apresenta critérios para provar a autenticidade  dos documentos medievais.

No século XVIII, em França e na Itália, surge um grande interesse pela perícia caligráfica por parte de vários profissionais e pela utilização de instrumentos de observação.

No século XIX, a perícia caligráfica conheceu um período obscuro, devido a alguns casos polémicos de insucesso, especialmente o caso Dreyfus que abalou a França.

Com Jean-Hippolyte Michon, teólogo e escritor francês, a grafologia inicia um período de desenvolvimento e torna-se ciência. Este abade intervém junto dos tribunais e escreveu obras diretamente relacionadas com a perícia judicial, comoDa intervenção da nova ciência, a grafologia, nas causas judiciais (1878). Michon é considerado o pai da grafologia. Organiza congressos de grafologia, cria La Societé de Graphologie e a revista La graphologie. Critica o velho método (grafomórfico), baseado na pura semelhança ou diferença das letras e valoriza as particularidades gráficas que retratam o escrevente física, intelectual e moralmente (é o método grafonómico). Pois, uma escrita que não corresponda à natureza ou ao carácter de determinada pessoa não lhe pertence, foi fabricada pelo seu cérebro.

Jules Crépieux-Jamin (1858-1941), médico francês, sistematizou os dados do seu mestre, introduziu as noções de superioridade (harmonia) e inferioridade gráficas (desarmonia) e destacou a importância do contexto. Distinguiu sete géneros (ordem, dimensão, pressão, forma, velocidade, direção e continuidade) e 175 espécies de sinais, que são desenvolvidos na sua obra ABC de la Graphologie (1929).

Crépieux-Jamin atuou no campo da perícia gráfica, destacando-se no famoso caso Dreyfus. Sobre o assunto escreveu As Bases Fundamentais da Grafologia e de Perícia sobre Escritas e Perícia sobre Escritas e as Lições do Caso Dreyfus (1935). 

O método utilizado por Crépieux-Jamin deixa de ser o caligráfico, baseado apenas na forma das letras, e passa a ser o grafonómico, considerando as letras como resultado de movimentos gráficos.

Robert Saudek (1880-1935), escritor e periodista checo, radicou-se no Reino Unido e é considerado o pai da grafologia inglesa. No âmbito da perícia judicial, escreveu a obra Crime na Escrita – Grafologia na sala de audiências.

Rudolf Pophal (1893-1966), neurologista alemão, estudou a génese do movimento gráfico e a sua relação com o conteúdo psicológico. A relação entre os fenómenos de distensão (extensão, de baixo para cima) e o seu antagónico a contração (flexão, de cima para baixo), de afastamento (abdução, da esquerda para a direita) e o seu antagónico a aproximação (adução, da direita da para esquerda). Criou uma escala de tensão/dureza distribuída por cinco graus, sendo o 3º aquele que revela maior equilíbrio. Quanto maior é a rigidez mais contraído se torna o movimento. Este aspeto fisiopsicológico da grafia tem uma importância relevante para a perícia.

Girolamo Moretti (1879-1963), frade italiano, dedicou a sua vida ao estudo psicossomático do homem através do gesto gráfico. Escreveu o Tratado Científico de Perícias Gráficas sob Base Científica, definindo como objeto da perícia a identificação da personalidade gráfica, a qual permite fornecer maior segurança ao perito. E, na 3ª edição do Tratado de Grafologia, afirma que “ninguém pode ser verdadeiro perito se não for verdadeiro grafólogo”. Moretti coloca em evidência a superioridade da metodologia grafológica sobre a caligráfica na perícia, praticada nessa altura por arquivistas, professores de caligrafia, escrivães.

Afonso Sousa, Perito da Escrita Manual

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